Determinado a acabar com a miséria das comunidades brasileiras antes que o dono da Tesla e da SpaceX povoe Marte, Edu Lyra engaja uma dezena de bilionários em seus projetos inovadores de desenvolvimento social e cidadania. Além do aporte financeiro feito pela XP, a iniciativa recebeu apoio das consultorias Accenture e Zeta Dados.
A quinta-feira, 26 de novembro, foi um dia de comemoração para o empreendedor social Eduardo Lyra. Era seu aniversário de 33 anos. E o presente não poderia ter sido melhor. Nem para ele, nem para as milhares de pessoas impactadas por seus inúmeros projetos. Fundador e CEO do Instituto Gerando Falcões, uma rede colaborativa que congrega quase 90 ONGs com atuação em 300 favelas de seis estados brasileiros, Edu Lyra escolheu a data para inaugurar o primeiro bazar-escola dos muitos que pretende abrir em todo o País. Ao seu lado estava o CEO da XP Inc., Guilherme Benchimol, que é também um dos conselheiros do Instituto. “Em uma das reuniões do conselho, há uns quatro meses, eu falei sobre como ainda estamos distantes da meta do Edu de acabar com as favelas. Ele respondeu que falta dinheiro. Sugeri inverter a lógica. Em vez de continuar buscando doações, montar um negócio que pare de pé”, disse Benchimol à DINHEIRO. Ele imaginou um empreendimento capaz de gerar lucro social, que permita investir em projetos na própria comunidade – e que possa ser multiplicado.
Nascia ali um modelo de negócio que pode transformar a realidade brasileira. “A ideia do bazar é que ele se torne uma rede de varejo dentro das favelas capaz de competir com o Magazine Luiza. Com a diferença que o lucro não vai para o acionista e sim para os moradores”, disse Benchimol. A XP destinou R$ 500 mil para a montagem do bazar. O dinheiro foi investido na contratação de pessoal, operações de logística, armazenamento e vendas. Focado em economia circular, o bazar-escola recebe e revende doações feitas por empresas. Na inauguração, Lyra afirmou que pretende “ampliar o repertório de doação no Brasil. Transmitir a mensagem de que doar bens faz bem”. O espaço arquitetônico foi desenhado pela Triplex Arquitetura. Para a cofundadora da Gerando Falcões, Mayara Lyra, que irá tocar a operação, o negócio tem um potencial transformador: “O próximo passo será criar nosso próprio marketplace, com foco em periferias e favelas, sempre escalonando o projeto pelos meios digitais.”
O nome bazar-escola foi escolhido para reforçar um propósito que é ir além das vendas. Os jovens que fazem parte dos programas de formação do Instituto Gerando Falcões terão a oportunidade de aprender, na prática, atividades que farão parte do seu futuro profissional. A capacitação incluiu treinamento socioemocional de seis meses com a supervisão de especialistas na área pedagógica e psicológica. A ênfase é o desenvolvimento de habilidades voltadas para o trabalho em equipe. No bazar, os alunos poderão colocar o aprendizado em prática.
TIME A loja de 500m2 inaugurada em Poá (SP) talvez seja a mais sustentável das inúmeras iniciativas de Edu Lyra para atingir seu ambicioso objetivo: acabar com a miséria das favelas. Voltaremos a esse tema adiante. Primeiro, um pouco da história de Lyra. Nascido e criado em um bairro pobre de Guarulhos, na Grande São Paulo, ele entendeu que transformar a realidade exigia estabelecer conexões. Em 2011, treinou uma equipe de amigos para vender livros de porta em porta e usou o lucro para montar uma ONG. Hoje, o Instituto Gerando Falcões pode ser melhor entendido como um ecossistema de desenvolvimento social. Uma rede que acelera ONGs em favelas e que tem a meta de quadruplicar, em três anos, o número de comunidades impactadas. De 300 para 1,2 mil. O plano tem sido executado com o apoio de um time forte de investidores. O primeiro a aderir foi Jorge Paulo Lemann.
Depois de atrair o empresário cuja fortuna soma R$ 54 bilhões (e com quem conheceu Satya Nadella, CEO da Microsoft), Lyra foi atrás de outros apoiadores. Atualmente, o conselho da ONG reúne boa parte do PIB Brasileiro. Ele é formado por Ana Maria Diniz (Península Participações), André Gerdau (Grupo Gerdau), Charles Wizard (Grupo Sforza), Daniel Castanho (Ânima Educação), Flávio Augusto da Silva (Wise Up), Elie Horn (Cyrella), Eugênio Mattar (Localiza), Guilherme Benchimol (XP Inc.), José Luiz Egydio Setúbal (Instituto Pensi), Marcus Sanchez (EMS), Pedro Bueno (Dasa), Rubens Menin (MRV) e Thiago Oliveira (Oliveira Foundation). Com o capital reunido, foi montado um plano de entregas sociais no final de 2019. Em 2020, veio a pandemia. “Era preciso dedicar parte do nosso tempo a levar uma ajuda emergencial para as favelas”, disse Lyra.
Lançada em abril, a campanha Corona no Paredão, Fome Não mobilizou R$ 25 milhões em doações vindas de dez países e permitiu alimentar 400 mil pessoas. “A maioria doou por meio da nossa plataforma digital. Pudemos entregar esse recurso na ponta graças à rede de ONGs que apoiamos dentro das favelas”, afirmou Lyra. Com presença em todo o território nacional, essa rede cresce e atua com gestão profissional, que começa na seleção de colaboradores. Eles são contratados por meio de editais lançados anualmente e dos quais participam milhares de candidatos. Quem é aprovado embarca em um programa de formação inicial de seis meses dentro da Falcon’s University, nome da universidade de liderança social de Lyra. “São nove módulos que incluem gestão, RH, captação de recursos, políticas públicas e inovação social. Isso acelera as habilidades dessas pessoas para que, com seus times, possam liderar a transformação dentro das favelas.” O apoio às ONGs pode se dar em diferentes níveis: conhecimento, gestão, network e dinheiro.
Os valores repassados variam de acordo com a maturidade de cada organização. Hoje, cerca de 300 pessoas sobrevivem diretamente da geração de receita do Instituto. Apenas para cuidar da rede são 60 funcionários contratados. As metas e programas de cada ONG beneficiada são avaliadas por indicadores de impacto e auditorias. “Usamos muita tecnologia e análise de dados para fazer com que essas ONGs possam performar em altíssimo nível”, afirmou Lyra, usando um linguajar típico de CEO. Faz todo sentido. Afinal, ele é CEO da organização que criou e administra com um entusiasmo capaz de inspirar outros líderes, estejam eles na favela ou entre os maiores bilionários do País. “Ele toca no coração da gente. Por isso reuniu esse grupo de empresários que investe tempo, dinheiro e recursos para ajudá-lo a ligar os pontos”, disse Benchimol, da XP. “Eu diria que a nossa maior missão, como conselheiros, é fazer com que ele acredite nele mesmo. O que vai libertar o Brasil é o empreendedorismo. E o Edu pode inspirar milhares de pessoas a criar negócios que gerem lucro social e estimulem a economia das favelas como um todo”, afirmou. Outro fã de Lyra, Jorge Paulo Lemann já declarou publicamente que ele pode ser o primeiro brasileiro a receber o prêmio Nobel da Paz.
Nos últimos dois anos, o Instituto Gerando Falcões passou por uma jornada de transformação digital desenhada em colaboração com a Accenture. Foi implantado um programa de ERP (sigla para Enterprise Resource Planning) da Oracle para profissionalizar a gestão. A isso se somou uma força de trabalho mais diversa. “Nosso time era formado por talentos da favela. Agora temos talentos que passaram por grandes empresas, como Raízen, AB Inbev, a ONG Teto”, disse Lyra. “A soma de visões complementares foi fundamental para que pudéssemos cumprir todas as entregas programadas para este ano”. E não faltaram desafios. Um deles, já citado, foi o de alimentar as pessoas mais afetadas pela pandemia. A campanha Corona no Paredão distribuiu 400 mil cestas básicas digitais. A cesta é um cartão com carga de R$ 100 para a compra de produtos essenciais.
Mas a tecnologia envolvida não para aí. Um aplicativo específico foi criado para ser baixado nos celulares dos líderes de cada comunidade. Um exército de 250 voluntários garantiu a entrega dos cartões em 11 estados do Brasil. Eles usavam o app para fazer o cadastro das pessoas mais necessitas e o pedido das cestas digitais. Fotografavam a entrega do cartão, registrando o CPF do beneficiado. “Nosso banco de dados comprova a entrega de cada centavo dos R$ 25 milhões arrecadados”, afirmou Lyra. Segundo ele, o modelo foi replicado na Argentina. As contas do instituto são auditadas pela KPMG.
As doações para a campanha foram turbinadas pelo movimento #Cestou, em que celebridades e influenciadores incentivaram as doações por meio de postagens nas redes sociais, e por voluntários do Brasil e do exterior que ligavam pedindo doações. Agora, parte desse grupo está dando um passo além: convencer os doadores pontuais da campanha Corona no Paredão a se tornarem doadores recorrentes de outro programa, a Bolsa Digital. O doador faz uma assinatura de R$ 19,90 para custear um material que inclui reforço escolar, aulas preparatórias para o Enem e até cursos de capacitação para empreender. Hoje, 10 mil bolsas estão garantidas pelo prazo de um ano.
Outro gargalo que a pandemia aprofundou é a sobrevivência do nanoempreendedor. Para atenuar a perda de receita que o isolamento social impôs, o Instituto Gerando Falcões buscou o apoio do banco BTG Pactual. A instituição criou uma linha de R$ 3 milhões em microcrédito com o objetivo de fomentar ações e projetos sociais do terceiro setor. Para o CEO do BTG Pactual, Roberto Sallouti, o recurso irá apoiar “os nano, micro e pequenos empreendedores que desempenham papel fundamental para a retomada e para o futuro da economia.”
COMUNIDADE INTELIGENTE Todas essas ações se complementam no desafio de acabar com a miséria das favelas. Mas será que pode haver uma solução para interromper o ciclo da pobreza no Brasil? Para tentar responder a essa pergunta, Lyra criou um projeto piloto com o Instituto Tellus, do empreendedor social Germano Guimarães. A ideia é transformar uma favela de São José do Rio Preto, no interior paulista, onde vivem 250 famílias, em uma comunidade inteligente, autossustentável e que entregue cidadania para as pessoas. “É um projeto de longo prazo e que pode ser a matriz de uma política pública”, disse Lyra. “O Elon Musk está indo para Marte e quer levar 1 milhão de pessoas para viver lá com ele até 2050. Antes que ele consiga, nós temos que resolver o problema das favelas brasileiras.”
Talvez o dono da Tesla esteja mais perto de sua comunidade interplanetária do que o Brasil está do fim da miséria. Por isso é preciso acelerar as ferramentas que deem tração e capacidade de investimento social. O bazar-escola pode ser o motor desse foguete. “A gente revende aquilo que as pessoas podem doar. E é mais fácil doar coisas que dinheiro”, afirmou Lyra. Em um mês, a rede de falcões conseguiu arrecadar 50 mil itens de doação. Móveis, eletrodomésticos, eletrônicos, computadores, tênis, camisetas, calças jeans. Só na inauguração as vendas somaram R$ 150 mil. Não haveria mesmo presente melhor para celebrar o aniversário de 33 anos de Edu Lyra. E talvez ele é que esteja dando o melhor presente para o futuro.